O NORTE E A REGIONALIZAÇÃO - FALA QUEM SABE...!


Luís Braga da Cruz
, presidente da Fundação de Serralves
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A regionalização faz sentido neste tempo político em que o país tem pela frente o enorme desafio do défice e da dívida?
Quando me desafiam para falar é das poucas coisas em que não hesito em aceitar, embora não seja um interlocutor… sou um bocado vencido nessa discussão…

O senhor e toda uma geração de quadros do Norte…
Sim. Ficámos um pouco desiludidos. A retirada da regionalização do programa político do PSD, julgo que em 1997, foi uma das decisões mais dramáticas para o Norte.

Porquê para o Norte e não para o país?
Porque o Norte é quem ganharia mais com a regionalização. Ponto final. Provavelmente por isso, por algum receio, é que o imperativo constitucional não foi cumprido.

Por que é que o Norte ganharia mais do que o Alentejo?
Porque tem muito mais gente, muito mais base industrial… O Alentejo é muito simpático, é uma região da qual a gente gosta muito, mas de facto os seus recursos, dos cavalos de Alter aos mármores do Alto Alentejo, não têm o potencial dos do Norte. Aqui havia uma tradição industrial fortíssima. Houve uma concepção de estrutura de apoio à actividade produtiva que se tivesse tido a sorte de ter uma maior autonomia regional, naturalmente que essas actividades teriam muito mais expressão em termos de economia.  

Houve uma opção consciente para evitar que o Norte se tornasse um pólo mais poderoso no conjunto nacional?
Isso é como dizia o Padre Américo: ‘Não há rapazes maus’. As pessoas nunca fazem isso por maldade, fazem por medo. Por não terem informação sobre o que aconteceu em França ou em Espanha. Eu recordo bem o presidente do Senado espanhol a dizer que um dos principais factores do crescimento económico da Espanha foram as autonomias, foi a capacidade de libertar energia em cada região e estabelecer um quadro competitivo.


Faltou alguma discriminação positiva para acelerar a superação dos problemas estruturais do Norte?
Sem dúvida. Podemos entrar aqui na especulação sobre o que poderia ter acontecido. Mas há que notar que a Madeira em 1985 estava muito atrás do Norte em termos de PIB per capita e a Galiza estava igual a nós. E de facto a Galiza descolou…


O Norte, passados todos estes anos, continua a ser uma região pobre em relação ao conjunto nacional. Para a sua geração isso deve ser um pouco frustrante…
É frustrante e até gera alguma má consciência. O que deveríamos nós ter feito que não fizemos? Eu tenho uma teoria: em tempos trabalhei alguns números e posso afirmar que o Norte foi muito penalizado por sofrer uma distribuição assimétrica dos recursos nacionais durante muitos anos. Entretanto com a centralização que se foi manifestando, o poder de decisão, o poder de afirmação do Norte também se foi perdendo. 


O passado ainda pesa muito no presente da região?
Pesa, pesa… É evidente que há coisas que foram bem aproveitadas, no turismo, em algumas indústrias tradicionais. Um projecto motor para o Norte, para o vale do Ave, por exemplo, um projecto locomotiva, como se fez em França – levar a aeronáutica para Toulouse ou as telecomunicações, para Rennes – teria sido importante.

Concorda com a proposta de António Costa de eleger os presidentes das Áreas Metropolitanas por voto directo e a eleição dos presidentes das CCDR por uma assembleia de autarcas?
Quando as coisas entram por aí é porque não se quer encarar o problema de frente. Pôr as CCDR, que são órgãos desconcentrados da administração central, reféns dos votos dos autarcas é uma solução espúria, ambígua. Se há uma função de planeamento, tem de ser enobrecida. Colocar essa função na vontade dos autarcas, pode ter alguns efeitos integradores, mas não me parece que seja positiva. Quer-se formular uma solução que não tem paralelo. Em França, na Espanha ou na Alemanha, que têm fórmulas descentralizadoras muito mais eficientes, nunca ninguém foi por aí. Não há responsabilidade sem legitimidade política. É assim em qualquer parte do mundo. Porque é que havemos de ser originais e de ter medo das soluções democráticas?

E concorda com as eleições directas do presidente das áreas metropolitanas?
Pode fazer a pergunta para as áreas metropolitanas ou para as Comunidades Intermunicipais (CIM). Há claramente problemas que são nacionais, há problemas de natureza local, e vamos aceitar que a escala municipal é uma excelente escala para resolver problemas de nível local…Mas também há problemas intermédios, que estão claramente mal resolvidos. Há problemas que na Itália, na França ou na Polónia que se resolvem com regiões, com eleitos regionais. Como é que em Portugal se deve abordar esses problemas intermédios? Através de cinco regiões, ou de oito como o engenheiro Guterres preferiu? Ou é com CIM ou com distritos - nós demos cabo dos distritos e agora criámos as CIM em muito maior número? Se chegarmos à conclusão que determinados problemas de resolvem à escala de uma associação intermunicipal, então é preciso dar legitimidade política a essa associação para que os resolva

Portanto, se as Áreas Metropolitanas forem eleitas, as CIM também o devem ser?
Com certeza. Agora se me perguntassem o que preferia, por onde se devia começar, eu diria que se devia começar com aquilo que é padrão em todo o mundo, que é criar áreas uma dimensão regional que daria quatro ou cinco em Portugal. 

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